202010.19
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Aplicação da Justiça Restaurativa nos casos de violência doméstica de gênero

O modelo tradicional de processo penal brasileiro, pra não dizer o sistema jurídico nacional como um todo, é pautado na ideia de punição como forma de resolução de conflitos.

A sociedade vem reiteradamente questionando os métodos convencionalmente utilizados para lidar com a criminalidade, especialmente em razão do fracasso que representa o sistema prisional brasileiro.

Isto porque o sistema penitenciário nacional, tal qual se encontra estruturado hoje, nem de longe é capaz de atender as finalidades da teoria da pena consagrada no Direito Penal.

A este respeito, o art. 59 do Código Penal consagra a teoria mista da finalidade da pena, segundo a qual se deve observar um duplo aspecto quando da imputação da mesma, qual seja: o caráter retributivo, consistente na reprovação e prevenção do crime, e o caráter
ressocializador, que objetiva a reinserção do condenado na sociedade.

Em outras palavras, o apenado submetido a pena privativa de liberdade que, em tese, deveria não reincidir, mantido em cárcere nas condições atuais, acaba por perpetuar-se na criminalidade, fabricando, a prisão, mais criminosos, ao invés de atuar na diminuição da taxa de criminalidade que, ao menos teoricamente, seria uma de suas funções.

Diante do panorama de crise do sistema prisional brasileiro, meios alternativos de resolução dos conflitos, entre eles a chamada justiça restaurativa, e de não aplicação de pena privativa de liberdade, no caso do direito penal em especial, passaram a ser pensados como meio de se tentar contornar os problemas já conhecidos de todos.

Por outro lado, é inegável a ineficiência do sistema penal tradicional em proteger as mulheres contra a violência, não prevenindo a ocorrência de novas situações, não buscando conciliar o interesse das vítimas e lhes dar o necessário protagonismo, não contribuindo para o entendimento do ato de violência em si e para a gestão do conflito, sendo absolutamente incapaz de oferecer uma solução adequada e permanente ao conflito.

A Lei Maria da Penha é, sem dúvidas, um marco na tentativa de coibir a violência contra a mulher, mas, infelizmente, seu rigor não foi
acompanhado pela diminuição dos índices de violência de gênero.

Sendo uma verdadeira ação afirmativa, a referida lei reconhece a vulnerabilidade da mulher como vítima contumaz de violência de gênero, mas retira dela a autonomia para buscar uma solução que, muito mais que o aprisionamento do agressor, lhe possibilite a restauração da relação ali existente e o fim do ciclo de violência.

Como visto, a resposta do sistema penal tradicional não satisfaz os interesses da vítima, não promove a reeducação do agressor e tampouco rompe com o ciclo de violência, sendo, por esta razão, mais adequada a implementação complementar das técnicas restaurativas para oferecer aos envolvidos e à sociedade uma resposta definitiva aos conflitos envolvendo violência de gênero.

A justiça restaurativa é permeada por um ideal reconciliatório e objetiva resolver os conflitos sem o punitivismo típico do sistema penal, sendo encarada como uma oportunidade de se resolverem as questões que envolvem aquele núcleo familiar e a comunidade em que está inserido, por meio do diálogo, da responsabilização, da reparação do dano e do empoderamento da vítima.
As práticas restaurativas são incentivadas pelo Conselho Nacional de Justiça, conforme se verifica do Protocolo de Cooperação para a Difusão da Justiça Restaurativa, assim como sua utilização em situações de violência doméstica, estando previstas na Resolução CNJ de no 225/2016.

A justiça restaurativa dá à vítima papel de destaque, ao contrário do que acontece no processo penal. Além disso, possibilita a construção de diálogos respeitosos que propiciam o entendimento das circunstâncias que geraram os conflitos e a melhor maneira de resolvê-los, abrindo a possibilidade de recuperar aquele núcleo familiar e, por consequência, evitar a recidiva dos casos de violência.
Neste sentido, não se objetiva substituir, por meio das propostas restaurativas, o processo penal tradicional, especialmente nos casos de violência doméstica e familiar, mas em apresentar uma alternativa de solução de conflitos que atenda às necessidades das vítimas, réus e da sociedade, além de oferecer o tão necessário empoderamento feminino.